Vitória Prates
12 de Novembro de 2024 às 07:20O sonho da estabilidade financeira, plano de carreira assegurado por lei, aposentadoria integral e outros benefícios sociais levam milhões de brasileiros todos os anos a prestarem concursos públicos. Com todas as vantagens, a pressão para passar em uma vaga, e se tornar servidor, é grande.
A primeira edição do Concurso Público Nacional Unificado (CNU), com provas realizadas em agosto deste ano, contou com 2,1 milhões de inscritos, sendo um feito histórico no país. O CNU abriu 6.640 vagas para 21 órgãos da administração pública federal. Saiba mais sobre o concurso nesta matéria.
Maylon Romes foi um dos 1 milhão de candidatos que realizaram a prova. Formado em audiovisual, Maylon participou do CNU visando a carreira de Auditor Fiscal do Trabalho. Além do CNU, o mineiro prestou prova para outros dois concursos para técnico e analista judiciário em Tribunais.
A experiência de Maylon com provas de alta concorrência veio da época do vestibular. “Nunca tinha prestado concurso público antes. Mas, quando prestava vestibular, conseguia bons desempenhos, então eu sabia que o formato de teste de conhecimento de provas de concurso poderia ser um bom caminho para mim”, diz ele.
A instabilidade no mercado de trabalho privado foi o que levou Maylon a se interessar pela carreira como servidor público. “O audiovisual depende muito de conexões pessoais, são trabalhos, em sua maioria temporários, e na área em que me especializei (roteiro) são pouquíssimas vagas para uma grande quantidade de pessoas interessadas”, explica.
Maylon não estava familiarizado com a carreira de Auditor Fiscal do Trabalho antes, mas se interessou durante a inscrição para o CNU. “Eram 900 vagas disponíveis para um cargo com ótima remuneração e com um forte senso de suporte social. Além disso, o propósito da profissão foi algo que me cativou”, explica.
Com o sonho em mente, Maylon começou os estudos, e com a preparação veio a ansiedade. “Eu tinha/tenho bastante pressa em conseguir algo, e o fato de poder ter a dedicação exclusiva para o estudo era algo que me pressionava ainda mais. Qual seria minha desculpa se eu reprovasse? Se eu tivesse todo o tempo e os recursos necessários para minha preparação”, relembra.
Além disso, por ser seu primeiro ano prestando concursos públicos, Maylon se preocupou com a concorrência; "É comum você ficar sabendo de pessoas que há anos estudam para concursos e logo você supõe que eles irão bem melhor do que você”.
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Porém, durante a trajetória, no antes, durante e depois da prova do concurso, Maylon percebeu que, além da dedicação aos estudos, outros fatores influenciam o resultado final. Tempo disponível, materiais adequados, boas estratégias de aprendizado, base em conteúdos básicos, principalmente em portugues e matemática, e a gestão do fator emocional.
O Brasil é o país com maior número de casos de ansiedade no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Durante uma prova tão concorrida, quanto as de concurso público, a sensação de ansiedade, nervosismo e até de esgotamento podem aumentar ainda mais. A psicóloga Bruna Lima e Silva concorda.
Quando a ansiedade é muito intensa é comum que ela atrapalhe o desempenho, tanto nos estudos quanto durante a prova. “O nervosismo interrompe o fluxo natural do pensamento. A resposta instintiva de luta ou fuga limita a criatividade, o acesso às memórias e até a conexão com as próprias emoções. Acredite, as emoções são ferramentas importantes para o nosso intelecto”, explica.
Segundo a especialista, passar horas e horas seguidas estudando, sem pausa, não é produtivo. Para os concurseiros, é importante entender que sofrer com o cansaço não é sinônimo de bom desempenho ou de sucesso na hora da avaliação.
Bruna atende tanto pacientes que estão se preparando para concursos quanto para residência em medicina e outros vestibulares, e notou algumas queixas recorrentes entre eles:
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Bruna indica afastar-se um pouco da matéria, tranquilizar-se e buscar se divertir. Os momentos de lazer são importantes durante a preparação e depois das provas. “A vida de um concurseiro se assemelha à de um atleta, com o preparo exigindo algumas restrições”, explica Bruna.
Depois das avaliações, é importante aproveitar o momento para retomar o contato com pessoas, hobbies, sonhos e vontades que ficaram de lado durante a preparação. Enquanto espera a publicação dos resultados finais, procure atividades prazerosas e divertidas.
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No momento de um concurso público, tem muita coisa em jogo. Mas, enxergar o momento do estudo como algo prazeroso, e menos como um período de sofrimento, aumenta a chance de ter êxito. A relação entre o concurseiro e o conteúdo precisa ser saudável.
"Se você encara a matéria como um oponente em um duelo, o processo de aprendizado se torna penoso e desgastante”, explica ela.
Uma postura meditativa não tem a ver com meditação ou yoga, ainda que essas atividades também possam ajudar. Para Bruna, é importante procurar adotar uma visão mais positiva, ou simplesmente realista da situação.
“A ansiedade pode ser um sinal de pensamentos derrotistas que tomam conta da mente: pressão por desempenho, medo de não atingir uma determinada nota, dúvidas sobre a própria capacidade", explica a psicológa.
"Durante a prova, a aprovação ou reprovação são apenas possibilidades que ainda não existem no presente momento. Então, por que não suspender essa dualidade mental e se conectar com a prova de forma mais neutra e tranquila?”, diz.
Do momento da inscrição até dias próximos a avaliação, mantenha um cronograma de estudo realista. Divida o calendário por objetivos de conteúdo a longo prazo, mensais, semanais e até diários. Em um concurso público, muitas disciplinas são cobradas, como língua portuguesa, matemática e raciocínio lógico, e até legislação e informática, além de conteúdos específicios para cada cargo.
Assim, na hora de montar o cronograma, é importante ter em mente todos os conteúdos. Com organização para dar tempo de todas as disciplinas, dedicando mais tempo para as que tem dificuldade, mas sem abrir mão das demais.
A preparação para concursos públicos pode parecer um processo exaustivo, longo e solitário. O desgaste emocional é grande, mas o período de estudos não precisa ser feito exclusivamente sozinho. Orgides Maria da Silva, tem 41 anos, há 20 anos é servidora pública na área da educação, e, desde 2010, coordena grupos de estudos em São Paulo.
Para a supervisora escolar, a preparação para um concurso envolve corpo e mente. Logo que se inscrevia em um certame, Orgides olhava o edital e montava um cronograma de estudos. Na hora de estudar, ela ia de leituras, resumos e mapas mentais até em inventar situações-problemas na cabeça.
Com as estratégias que desenvolveu ao longo dos anos, as pessoas começaram a buscar Neta, como é conhecida Orgides, na hora de se preparar para um concurso. A procura foi tanta que Neta começou a formar grupos de estudos.
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Os encontros eram marcados na casa dos alunos. O que começou pequeno, foi crescendo, Neta chegou a ter grupo com mais de 100 alunos. O grupo de estudos atual de Neta tem 80 pessoas, que visam aprovação no cargo de diretor de escola. No início, a supervisora ficava responsável por todas as atividades e cronograma sozinha, mas o trabalho encantou seus colegas, e outros entraram na iniciativa.
"Eu não faço publicidade do trabalho, os próprios alunos falam: 'Faz o curso com a Neta'", fala. "Nós conhecemos as pessoas, seus sonhos e histórias. Não é algo empresarial, mas sim afetivo", explica.
A avaliação do “Enem dos Concursos”, inicialmente prevista para maio, foi adiada devido à situação de calamidade no Rio Grande do Sul. A mudança na data da prova gerou um impacto emocional ainda maior nos candidatos. Saiba mais sobre a prova e o gabarito aqui.
“Esse adiamento não foi necessariamente visto como uma oportunidade de ter mais tempo para estudar, mas sim como a extensão de uma fase de preparação que, para muitos, já estava difícil de suportar”, aponta Bruna. Mas, outros candidatos, enxergaram esse período com outros olhos, é o caso de Maylon.
“Com o adiamento precisei reorganizar minha rotina de estudos. Foi um período de reflexão e entendi que precisava de mais tempo livre para aguentar a maratona”, afirma. De 8 horas de estudo, Maylon diminuiu para 6. Outro ponto importante foi incluir maior tempo de descanso, lazer, terapia e a prática de atividades físicas.
A preparação para um concurso público é uma montanha russa de emoções. Um dia, a confiança está lá em cima, mas, quando chega um obstáculo, a vontade de desistir também pode ser grande. Mantenha-se focado nos objetivos finais.
Para a psicóloga Bruna Lima e Silva, é importante enxergar a falha como parte de um processo maior. “Não passar no concurso não é o ponto final do sonho ou a indicação da incapacidade”. Ela completa: “Se a vaga que você visa é realmente importante para você, continue tentando”.
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