Por Jennifer de Carvalho
29 de Maio de 2025 às 07:00
Quando se fala de concurso público, algo que costuma vir à mente das pessoas há muitos anos é a estabilidade financeira e de carreira que esse processo proporciona. Mas isso não é apenas uma percepção popular, pois o Art. 41 da Constituição Federal garante essa condição aos servidores concursados, após alguns anos de exercício em um cargo, além do cumprimento de outros requisitos.
Segundo um levantamento realizado pela República em Dados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), o Brasil possuía 11,35 milhões de funcionários públicos em 2021. No mesmo ano, o número representava 12,20% do total de 91,18 milhões empregados.
Mas em meio às mudanças não só no mercado de trabalho, mas também nas leis envolvendo servidores públicos, a sensação de estabilidade continua a mesma? Antes de compreender essa questão, vale entender o significado de um trabalhador estável nos órgãos públicos.
Rafael Munhoz Fernandes, do escritório de advocacia especializada em concursos públicos Munhoz Fernandes Advogados, explica que esse sistema tem o intuito de manter a imparcialidade e independência do serviço público.
“A estabilidade funciona como uma garantia de que o funcionário terá condições de desempenhar as suas funções, sem a influência de pressões políticas ou pessoais”, diz. Assim, o objetivo é que o concursado exerça as atribuições de seu cargo de maneira neutra e objetiva.
Professor do Gran Concursos, Aragonê Fernandes complementa sobre como esse direito é fundamental em contextos políticos. “Vivemos em um ambiente muito polarizado, onde há uma divergência sensível e significativa entre o pessoal de direita e de esquerda. Então, mesmo com esse cenário, eu não olho a ideologia do servidor. Apenas vejo se ele está fazendo um bom trabalho”.
“Servidor público não é demitido”: essa é uma frase que muitos trabalhadores concursados podem ter escutado alguma vez durante a sua carreira.
Na verdade, há, sim, casos de desligamentos nesse setor, mas apenas em situações bem específicas. Já em empresas privadas, esse procedimento é bem diferente, pois a demissão pode ocorrer sem justa causa. Aliás, esse é o ponto principal em que a estabilidade entre os dois tipos de trabalho diverge.
Aragonê faz uma comparação entre os trabalhadores do Banco do Brasil e outro privado. Ele conta que os dois são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com fundo de garantia e direitos assegurados aos funcionários urbanos e rurais.
“Nesse caso, por exemplo, se o banco privado quiser dispensar um colaborador, ele pode fazer isso sem muitos motivos. Já um servidor público tem a sua dispensa sujeita a um procedimento mais rigoroso, uma filtragem, para verificar se não está acontecendo algum tipo de perseguição”, ele comenta.
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Rafael acrescenta que no setor privado existe a estabilidade do funcionário retornar ao trabalho após um afastamento pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo. Mas ele destaca que, ainda assim, esse é um direito provisório. Ainda, Aragonê lembra que os regidos pelo Estatuto dos Servidores não possuem participação nos lucros e resultados.
Em 2019, a Administração Pública teve 66.138 admissões e 65.316 desligamentos, conforme um levantamento realizado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). Na época, o setor apresentou um acréscimo de 822 empregos e um aumento de 0,10% em relação ao ano anterior. Vale citar que essa categoria compreende os órgãos públicos, as autarquias e as fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Com esse cenário, a estabilidade para concursados, por exemplo, não garante uma imunidade total contra demissões – embora o sistema ofereça uma proteção significativa ao servidor, nesse sentido. “Um funcionário pode ser demitido em casos de infrações graves, como práticas de corrupção ou má conduta, além dos casos de desempenho insatisfatório, avaliado periodicamente”, aponta Rafael.
No Art. 169 da Constituição Federal, há o destaque do seguinte tópico: “a despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar”.
Para isso, o terceiro parágrafo consta a possibilidade da redução de, pelo menos, 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, além da exoneração dos funcionários não estáveis.
Porém, se essas medidas não forem o suficiente, o quarto parágrafo pontua que mesmo um servidor estável pode perder o seu cargo. Nesse caso, é possível ter acesso a uma “indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço”.
“A instabilidade é prevista para a administração direta, autarquias e fundações públicas”, explica Aragonê. “A administração direta se refere ao poder Executivo, Legislativo, Judiciário, pois não é aplicável aos empregados públicos. Esse último tópico é voltado àqueles que ocupam cargos em empresas públicas e sociedades de economia mista, como a Petrobras, os Correios e o Banco do Brasil, por exemplo”.
Além disso, Rafael ressalta que o desligamento de um funcionário do setor público precisa ser acompanhado de um processo administrativo disciplinar. Nesse caso, ele diz que será concedido ao colaborador o direito do contraditório e da ampla defesa.
O Art. 41 da Constituição Federal pontua que os servidores de concursos públicos são considerados estáveis após realizarem as suas funções em um cargo por três anos. Além disso, o funcionário precisa cumprir outros requisitos. Conforme os especialistas, as regras para alcançar a estabilidade são as seguintes:
“Caso a pessoa seja aprovada no estágio probatório, ela adquire a estabilidade que a protege de desligamentos arbitrários”, comenta Rafael. Ainda, ele explica que essa etapa serve como uma adaptação e uma verificação para compreender se o aprovado no concurso público tem condições de desempenhar as atribuições do cargo escolhido.
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Em relação à aposentadoria, todo concursado possui esse direito. O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), por exemplo, é voltado para os servidores públicos, titulares de cargos efetivos da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios – chamados “entes federativos”.
No entanto, cada RPPS tem autonomia para criar as suas regras previdenciárias, baseado na norma geral prevista na Emenda Constitucional nº 103/2019. Mas vale citar que existem contratações de servidores pela CLT. Nessas situações, a aposentadoria fica relacionada ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Em uma reportagem para o Estadão Concursos, Ana Patrícia Almeida, advogada e especialista em concursos e servidores públicos, explicou que o cálculo para saber o valor do benefício a ser recebido passou a ser a média de todas as contribuições feitas ao longo da carreira, sem descartar os 20% menores, como era antes. Enquanto isso, a aposentadoria inicial é de 60% da média, com acréscimo de 2% por ano de contribuição acima de 20 anos.
Na mesma reportagem, Fernanda Reder, advogada previdenciarista e mentora, disse que “os funcionários que ingressaram a partir da instituição da Previdência Complementar (RPC), ou que tenham migrado para esse modelo, contam com o teto máximo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que, em 2024, é de R$ 7.786,02.”
No dia 6 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou uma nota sobre a flexibilização do regime de contratação dos servidores públicos. A decisão possibilita os órgãos públicos a realizarem contratações pela CLT, além dos regimes jurídicos únicos (RJU).
O STF citou que, nesse caso, o texto original do artigo 39 da Constituição Federal de 1988 previa que cada ente federativo deveria instituir o seu regime jurídico único e os planos de carreira para os funcionários.
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Mas o que pode gerar dúvidas é se essa resolução afeta a estabilidade do concursado. “A mudança permite que algumas funções possam ser ocupadas por meio de contratos mais flexíveis, sem estabilidade, mas preserva o regime e as garantias dos servidores concursados no RJU – que continuam com direito à estabilidade após o estágio probatório”, explica Rafael.
Ele também complementa que o principal impacto é na forma de contratação, nos benefícios e nas condições de aposentadoria. Mas a medida “não altera a estabilidade dos servidores, que permanece assegurada para os dois regimes”. O advogado afirma que a decisão proporciona mais uma flexibilidade administrativa.
Aragonê diz que quem promoveu essa flexibilização foi o Congresso Nacional, com a emenda 19 no ano de 1998. “Isso foi questionado e acabou sendo suspenso pelo STF, até que viesse o julgamento final, que aconteceu em novembro de 2024”.
Em relação ao efeito da decisão, o professor aponta o seguinte: “Se a pessoa é contratada pelo regime estatutário, ela tem a estabilidade e abre mão, por exemplo, de direitos como o fundo de garantia”.
“Se a contratação for pelo regime CLT, ele passa a ter direito ao fundo e a outros benefícios que não são aplicados aos servidores”, continua. “Por outro lado, ele não tem estabilidade, mas não pode ser demitido livremente. Isso porque a dispensa sempre vai precisar ser motivada, seja nos cargos públicos, seja nos empregos públicos regidos pela CLT”.
“Além disso, a decisão do Supremo não é autoaplicável, pois dependerá da regulamentação específica dos órgãos e entidades. Por exemplo, dentro do Poder Judiciário da União há uma carreira específica dizendo que o regime é o estatutário. Para que isso seja modificado, dependeria de uma mudança legislativa”, complementa.
Com a flexibilização nas contratações e as possibilidades de contratos temporários, a sensação de estabilidade tem sido cercada de incertezas. Rafael acredita em um impacto nessa percepção, mesmo que esse sistema continue sendo bem mais vantajoso, quando relacionado a outros tipos de acordos.
“Embora a estabilidade ainda exista, o mercado de concursos tem se tornado mais desafiador”, aponta. “Mesmo assim, o regime jurídico dessa característica ainda garante um nível de segurança maior do que o do setor privado".
Quando se trata dos pontos positivos desse direito, o professor Aragonê comenta sobre a sua previsibilidade, pois é possível contar com o dinheiro a ser recebido para o pagamento das contas, por exemplo.
“Para mim, na contratação de funcionários públicos ou na de servidores pelo regime celetista há uma garantia maior do que para os colaboradores privados, de modo geral”, comenta. Aliás, mesmo com as mudanças no mercado de trabalho, o professor acredita que o serviço público ainda é um porto seguro.
Outro ponto que pode ter efeito nessa característica dos processos públicos é a chegada das novas gerações no mercado de trabalho. Como os concurseiros mais novos podem buscar mais flexibilidade e mobilidade na carreira, a ideia tradicional de estabilidade pode ser menos chamativa para algumas pessoas, como lembra Rafael.
“Ainda assim, a estabilidade continua sendo um diferencial dos concursos, atraindo, principalmente, aqueles que desejam um vínculo profissional duradouro e previsível", finaliza.
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