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O que fazer quando um concurso é cancelado? Veja o que dizem especialistas

Entenda o que significa o cancelamento de um concurso público e quais são os direitos dos candidatos, caso sejam afetados por essa situação

Os especialistas também elucidam se esses casos são frequentes ou não - Foto: Adobe Stock
Os especialistas também elucidam se esses casos são frequentes ou não - Foto: Adobe Stock

Com diversos editais municipais, estaduais e federais em andamento no país, muitos brasileiros estão se preparando para várias etapas de concursos públicos – como provas, procedimentos de heteroidentificação, perícia médica, entre outros. Mas é possível que uma seleção seja cancelada no meio do caminho? Essa questão também pode gerar algumas dúvidas sobre o que fazer, caso um processo seja interrompido de alguma forma. 

Publicada no Movimento Pessoas à Frente, a pesquisa A Hora e a Vez da Modernização dos Concursos Públicos no Brasil lembrou de um caso ocorrido em 2013. Trata-se da suspensão de um concurso público voltado para o cargo de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), depois da aplicação da prova da segunda fase.

Em nota, a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) destacou que fez uma denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU), referente ao edital 48/2013, conduzido pela Escola de Administração Fazendária (ESAF). O desfecho do caso foi a anulação do certame, em 2014, após a identificação de uma série de irregularidades.

Concurso cancelado, suspenso ou adiado: quais são as diferenças?

A interrupção de um concurso pode cercar o candidato de incertezas, principalmente sobre os seus direitos, como proceder e, até mesmo, se esses casos acontecem com frequência.

Mas, primeiramente, vale compreender a diferença entre o cancelamento, a suspensão e o adiamento de um processo. Conforme os advogados especialistas em concursos públicos Renan Freitas e Marcela Barretta, cada uma das três situações possui os seguintes significados:

  • Concurso cancelado: o edital e o que foi realizado não tem mais validade. Há a possibilidade da administração abrir uma nova seleção, mas é preciso fazer outro processo licitatório (procedimento de contratação) e um novo edital.
  • Concurso suspenso: o processo é paralisado por um período e, após esse tempo, ele pode ser retomado de onde parou. Nesse caso, é possível que a suspensão aconteça por determinação judicial ou por uma escolha da administração.
  • Concurso adiado: o cronograma da seleção é alterado, deixando para outro momento algumas etapas que estavam previstas. Há a possibilidade do concurso inteiro ser adiado, antes mesmo de ser lançado.

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De acordo com Marcela, no caso de uma suspensão, por exemplo, “ninguém é prejudicado, diferente do cancelado, que já proporciona um prejuízo”.

Já em relação ao adiamento, ela ilustra: “Suponha que o Poder Público entende que a prova precisa ser adiada, por algum motivo, como um problema interno sobre a elaboração da avaliação”.

Ainda, a especialista explica que um concurso passa por um processo administrativo, no qual é decidido se existe, de fato, a necessidade de realizar a seleção, além da análise sobre a quantidade de vagas que precisa ser preenchida e a definição da banca organizadora. Após esse estudo, é estabelecido um cronograma para abrir um edital.

O que pode causar o cancelamento de um concurso público?

Quando se trata dos motivos que podem provocar o cancelamento de um concurso público, Renan cita situações como: irregularidades ou problemas na licitação do processo. “Também pode ser quando uma banca que ganhou, mas ela não deveria ter ganhado. Então, a outra banca judicializa [propõe uma ação judicial]”, exemplifica.

Já Marcela cita os casos de fraudes como as principais causas. “Por exemplo, alguém faz uma denúncia ao Ministério Público e eles iniciam uma investigação. Se for identificado indícios de fraude, provavelmente será providenciado o necessário para que o concurso seja suspenso por uma ordem judicial. Se for comprovada a fraude, o processo pode ser cancelado”, explica.

Em março de 2024, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) anunciou algumas estratégias para combater fraudes durante a realização das provas do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU). Em nota, a pasta destacou que as medidas foram elaboradas para impedir o uso de pontos eletrônicos e as anotações em cartões de resposta, que pudessem servir como meios de “colas”.

Para evitar o primeiro caso foi proibida a saída de candidatos com os cadernos de prova. O intuito da medida era impedir que quadrilhas tivessem acesso às questões, para que as respostas não fossem repassadas aos participantes que pudessem estar usando pontos eletrônicos.

Em relação às anotações, a medida foi tomada após um episódio em outro concurso público. “Os candidatos foram flagrados com anotações suspeitas no verso do cartão, levantando a possibilidade de que estivessem utilizando ‘colas’ durante a aplicação da prova”, afirmou o Ministério.

Nesse caso, as avaliações foram divididas em dois turnos. Assim, alguns participantes preencheram os cartões com as respostas, no período da manhã. “Ao retornarem para o turno da tarde, esses mesmos candidatos apresentaram os cartões com anotações adicionais, o que gerou denúncias de que as novas anotações poderiam ser 'colas' para consulta”, apontou o MGI na nota.

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Esses são alguns exemplos de fraudes, principalmente no momento de aplicação dos exames – como os objetivos, de múltipla escolha. Mas, conforme Marcela, há várias possibilidades, tanto por parte do participante quanto pela banca organizadora do certame.

“Quando um candidato causar uma fraude, ele pode ser eliminado. Ainda há situações em que um integrante da banca pode ter vendido o gabarito, mas não há a certeza da quantidade. Então, o concurso inteiro precisa ser cancelado”, diz a advogada.

Renan se refere aos casos de fraudes em concursos públicos como motivos para a sua anulação. Isso porque “a realização das etapas da seleção envolve dinheiro público e também dos candidatos”. 

“Se tudo for cancelado, essas pessoas terão o direito ao reembolso do que gastaram. Assim, o Estado pode falir e quebrar”, diz.

Ainda, o especialista cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a responsabilidade civil do Estado por danos materiais, quando os inscritos em concursos públicos são afetados pelo cancelamento da prova do certame, por suspeita de fraude. Trata-se do tema 512, que passou a ser discutido desde 2011. 

Atualmente, a situação do tema está destacada como trânsito em julgado. Isso significa que a decisão foi definitiva, sem a possibilidade de entrar com recursos contra essa conclusão.

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“A banca que está organizando o concurso tem uma responsabilidade por esse processo. Aliás, ela está ganhando dinheiro para a sua realização. Então, se houver fraude, todas as etapas são anuladas, inclusive a nomeação de quem já está exercendo o cargo público”, diz Renan.

Direitos dos candidatos quando um concurso é cancelado

Se um concurso for cancelado depois da abertura das inscrições ou após a realização das provas, os candidatos podem ter acesso apenas a alguns direitos. O mesmo vale para situações que ocorrem após o procedimento de heteroidentificação – para os candidatos negros e indígenas – e a perícia médica ou avaliação biopsicossocial – para os participantes autodeclarados pessoas com deficiência (PcDs).

Se o cancelamento ocorrer no período da candidatura, Renan explica que a banca organizadora da seleção pode disponibilizar um formulário para a devolução da taxa de inscrição que foi paga pela pessoa. “Os participantes também têm direito à devolução dos valores e despesas que tiveram para fazer as provas e outras etapas”, complementa.

Marcela destaca o mesmo: o máximo de direito que o candidato pode ter, nesses casos, é o ressarcimento dos gastos que ele teve. Além disso, a pessoa pode compreender os motivos dos atos da administração pública.

“Em relação ao cancelamento de um processo, a jurisprudência dos tribunais brasileiros entende que o candidato só tem mais direitos se ele tiver sido nomeado. Então, mesmo o aprovado em primeiro lugar, por exemplo, não tem mais direitos”, diz.

Para conseguir o ressarcimento dos custos que precisaram ser desembolsados, a dica é: reúna as provas de todos os custos. Isso vale tanto para o pagamento do valor da inscrição quanto para os gastos com deslocamentos e hospedagens.

“No caso da perícia médica, o participante pode comprovar que teve gastos com exames, como os laboratoriais ou os de imagem”, afirma Marcela. É importanter ter em mente que isso vale para situações onde o concurseiro realizou pagamentos em unidades particulares.

Renan comenta a possibidade de haver circunstâncias em que a pessoa pode ter uma indenização por dano moral. “Pode acontecer, mas isso não é fácil. Já o dano material é comprovado com mais facilidade”.

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Alguns casos podem ser discutíveis, como quando o concurseiro teve um grande prejuízo ao abrir mão de algo para realizar o processo. Um exemplo é a situação em que uma entrevista de emprego foi perdida, pois o candidato precisou realizar alguma etapa da seleção pública.

“O juiz analisará o caso para verificar se concorda que, de fato, um determinado dano pode ser atribuído à situação”, explica Marcela.

O cancelamento de concursos públicos ocorre com frequência?

A preparação para um concurso público pode ser acompanhada de alguns momentos de estresse – mesmo quando o cronograma da rotina de estudo é bem elaborado. Tem dias que são mais fáceis ou leves, enquanto outros são mais desafiadores.

Além disso, há a ansiedade relacionada à prova. Um estudo do Instituto de Psicologia do Controle do Stress (IPCS) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC) destacou essa questão como reações associadas a uma preocupação excessiva com a possibilidade de resultados negativos em uma avaliação.

Se a pessoa prestou um concurso e, em alguma etapa, ele foi cancelado, a situação pode ser bem estressante. Mas para aliviar os concurseiros, os advogados especialistas em concursos públicos destacam que esses casos são bem difíceis de acontecer.

Renan, por exemplo, afirma que já teve o conhecimento de processos anulados por fraudes, mas não de cancelados depois das fases. “Isso não ocorre com frequência, pois a administração abre um concurso porque há a necessidade de contratação. Então, esse ato engloba um procedimento de licitação, com gasto de dinheiro público”, explica.

“Dificilmente haverá um cancelamento depois da realização das etapas. Anulado, sim, por conta de fraude. Nesse caso, o resultado do processo é ilegal”, ressalta Renan.

Marcela complementa que os próprios tribunais orientam que um processo inteiro não seja cancelado. “Se teve uma fraude por parte de um candidato, por exemplo, que ele seja eliminado e não a seleção em si”, comenta.

Ainda, vale citar que os editais não costumam ter um tópico comunicando sobre essas possibilidades. “O Poder Público não coloca esse tipo de informação porque essas situações são muito raras”, diz Marcela.

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“O Brasil é gigante, com muitos municípios. Então, quando comparado com o número de concursos que existem diariamente no país, os casos de cancelamentos são bem poucos”, finaliza.

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