A alta concorrência em concursos públicos pode afastar diversos candidatos, mas alguns certames parecem ser mais fáceis do que outros; veja opiniões
No mundo dos concursos, é possível encontrar oportunidades em processos municipais, estaduais ou federais, com cargos para pessoas com ensino fundamental, médio, técnico ou superior. Segundo o Censo de Concursos de 2023, da Folha Dirigida, foram abertos mais de 10 mil certames no Brasil. Porém, dependendo da ocupação e do salário, a seleção pode ter uma concorrência maior ou menor.
Conforme um levantamento realizado pela República em Dados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), o Brasil possuía 11,35 milhões de servidores públicos em 2021. No mesmo ano, esse número representava 12,20% de toda força de trabalho no país.
O interesse de um candidato por um concurso depende de vários cenários. Por exemplo, uma pessoa pode buscar uma seleção que oferece um cargo mais específico – como o de analista da Receita Federal. Já outro concurseiro pode desejar uma função menos procurada, com poucos pré-requisitos e uma prova com baixa complexidade.
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Quando se trata da divisão desses processos seletivos por concorrência, entre os mais fáceis e difíceis de passar nesse aspecto, Gabriela Lotta, professora de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV), comenta que há dois componentes.
“Os concursos que pagam mais e que estão ligados a carreiras mais ‘valorizadas’, tanto econômica quanto socialmente, são mais difíceis de passar porque eles possuem uma concorrência maior do que de outros processos”, diz.
“O segundo ponto que faz um concurso ser mais difícil ou mais fácil é o seu conteúdo, se esse tópico é muito amplo ou específico, demandando um tipo de estudo mais aplicado”, acrescenta. Para exemplificar, selecionamos um exemplo.
Um edital da Prefeitura Municipal de Tarumã, no estado de São Paulo, destacou que a prova objetiva da consistirá em 40 questões de múltipla escolha, distribuídas entre conteúdos de língua portuguesa, matemática, conhecimentos específicos e conhecimentos gerais.
As disciplinas valem tanto para o cargo de Tratorista – que exige ensino fundamental – quanto para as funções de Motorista e Operador de Máquinas - que exigem ensino médio. Confira mais detalhes nesta matéria.
Por outro lado, o edital de um concurso público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), voltado apenas para quem possui diploma de nível superior, destacou que a prova objetiva terá 120 questões.
Os conteúdos de conhecimentos gerais abrangem: língua portuguesa; ética no serviço público; administração pública e poder judiciário; e legislação. Ainda, dependendo do cargo, os candidatos podem responder perguntas sobre noções de informática, políticas de saúde ou matemática e raciocínio lógico.
A prova ainda contará com questões sobre conhecimentos específicos de cada função disponibilizada. Vale citar que o certame é voltado para os cargos de Oficial de Justiça Avaliador e Analista Judiciário. Confira mais detalhes nesta matéria.
Para Erico Lopes, assistente técnico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), os concurseiros são candidatos cada vez mais preparados, em que muitos, inclusive, planejam viagens para outros estados para prestar os concursos.
“O cenário do concurso público é muito competitivo e dinâmico. Mas cada seleção tem a sua particularidade”, comenta. Das muitas opções ofertadas, o concurso municipal é, muitas vezes, a porta de entrada para o mundo dos cargos públicos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem cerca de 5.570 municípios no Brasil.
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Para além da saúde e educação, o serviço público atende outras modalidades, como segurança, mobilidade urbana, meio ambiente, assistência social, direitos humanos, agricultura, cultura e economia.
Essa diversidade não ocorre apenas entre setores, mas também entre as políticas ofertadas para os municípios, estados e governo federal. Nesse sentido, o federal tem muito mais capacidade de recursos. Assim, o atendimento consegue ser mais aprimorado do que em algumas áreas importantes da esfera pública de muitas cidades.
Ainda, até mesmo por questões burocráticas, cada setor atua de uma maneira diferente – o que gera um serviço público completamente heterogêneo. Por isso, alguns aspectos são mais avançados e com maiores padrões de excelência do que outros – que, por sua vez, ainda sofrem com problemas simples, como o atraso na digitalização de processos.
O senso comum, muitas vezes, apresenta o serviço público como ineficiente. Mas como aponta a professora Gabriela, o cenário é diferente na perspectiva dos cidadãos. Conforme uma pesquisa do DataFolha, encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente, seis em cada dez brasileiros acreditam que os funcionários públicos não são respeitados e valorizados pela população.
Ainda, segundo o levantamento do Datafolha citado acima, 83% dos brasileiros acreditam que os funcionários públicos poderiam oferecer mais para a população, caso tivessem os meios necessários para sua atuação.
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“Os serviços são muito heterogêneos. Dependem da capacidade dos nossos entes federativos em conseguir prover serviços de qualidade e melhorar o atendimento”, diz a professora. Ela continua: “Mas da perspectiva de quem acessa o serviço, a avaliação não é ruim, especialmente em políticas sociais, que são aquelas que garantem boa parte dos direitos da população brasileira”.
Muitos certames municipais oferecem um grande número de vagas, em diversas áreas de atuação. Um concurso da cidade de Patos, no estado da Paraíba, foi lançado com 203 vagas imediatas e 311 oportunidades para a formação de um cadastro reserva. Os cargos vão desde Fiscal de Defesa do Consumidor até Engenheiro Civil. Confira mais detalhes nesta matéria.
Para Erico, assistente técnico do IBAM, podem acontecer dois casos mais recorrentes: cidades que abrem uma seleção com muitas oportunidades – pois estão há muito tempo sem realizar um certame – e há situações em que alguns municípios preferem realizar um processo com uma certa frequência.
“Existem concursos que são segmentados por área, como a de educação, saúde, área administrativa, fiscalização, os demais cargos de ensino superior e a parte técnica”, comenta. “Mas é possível trabalhar das duas formas".
"Quando um concurso é maior, com muitas vagas, tudo tem que ser pensado, como a logística no dia da aplicação das provas. Quando o município é pequeno, por exemplo, ele está perto de cidades maiores e muitas pessoas saem dessas regiões para realizar o processo”, diz.
“A ideia é que tudo ocorra separando as cidades, sem causar transtornos para a população. Então, criamos uma estimativa sobre a quantidade de candidatos e, a partir disso, temos uma base para estudar sobre a forma em que a prova será aplicada em determinado dia”, finaliza Erico.
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Ao elaborar um concurso público municipal, diversos pontos são avaliados. Às vezes, algumas cidades menores desejam realizar uma seleção, mas não conseguem porque estão envolvidas em outras atividades.
Até porque, a estruturação de um edital depende de uma análise profunda sobre muitos fatores, como a aprovação das vagas, a disponibilidade do cargo criado, as despesas de pessoal e o impacto financeiro das contratações, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas para Erico, muitas pessoas buscam morar e trabalhar em um município menor e, ao mesmo tempo, bem estruturado.
Isso porque existe um cansaço em relação à correria da cidade grande, como as metrópoles. Nesse caso, alguns candidatos podem procurar regiões em meio a uma serra, por exemplo, também com o intuito de ter uma qualidade de vida melhor. Mas dentre os desafios do setor, principalmente no âmbito municipal, está a retenção de talentos.
Ao pesquisar por concursos públicos, é possível observar que muitos editais são lançados em âmbito municipal, principalmente para as prefeituras. Como em outros setores da sociedade, a pandemia de covid-19 também impactou a realização de certames.
Erico destaca esse fator, mas para ele o aumento ou a estabilização da quantidade de processos abertos depende de outras questões, como a organização por parte do governo. “A necessidade de pessoal vai acontecer, mas nem sempre é possível fazer um concurso de imediato. Muitas vezes, há o processo seletivo para uma contratação temporária, quando a lei permite”, comenta.
“Colocar um candidato para fazer uma prova tem toda uma logística a ser observada, como o número de profissionais envolvidos. Então, nem sempre é possível fazer um concurso com regularidade”. Para ele, o que parece ter uma tendência é a realização de um processo unificado para municípios pequenos.
Nos últimos dez anos, o IBAM aplicou provas para mais de 14.300 cargos e atingiu a marca de mais de 2.200.000 inscritos. Vale citar que a associação atua no desenvolvimento institucional dos municípios. Assim, o instituto possui a seguinte estimativa, referente aos cargos que tiveram uma grande procura nas seleções lançadas nos últimos cinco anos:
Área de Educação (11 cargos em concursos distintos, com 81.228 inscritos) |
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Cargo | Vagas | Inscritos |
Professor I – 30 horas | 95 vagas | 7.849 inscritos |
Professor Docente-1 | 280 vagas | 13.316 inscritos |
Professor 1 | 238 vagas | 11.331 inscritos |
Professor de Educação Básica – PEB II | 100 vagas | 9.573 inscritos |
Professor Docente II | 120 vagas | 9.562 inscritos |
Auxiliar de Secretaria Escolar | 45 vagas | 4.592 inscritos |
Auxiliar de Desenvolvimento Infantil | 109 vagas | 4.117 inscritos |
Assistente de Creche | 36 vagas | 4.155 inscritos |
Auxiliar de Classe | 86 vagas | 5.544 inscritos |
Inspetor de Alunos | 86 vagas | 5.499 inscritos |
Auxiliar de Disciplina | 120 vagas | 5.690 inscritos |
Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) |
Área de Saúde (4 cargos em concursos distintos, com 17.634 inscritos) | ||
Cargo | Vagas | Inscritos |
Enfermeiro II | 44 vagas | 4.453 inscritos |
Enfermeiro | 34 vagas | 4.446 inscritos |
Técnico em Enfermagem | 140 vagas | 4.359 inscritos |
Técnico de Enfermagem | 73 vagas | 4.376 inscritos |
Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) |
Área Administrativa (3 cargos em concursos distintos, com 18.022 inscritos) | ||
Cargo | Vagas | Inscritos |
Agente Administrativo | 29 vagas | 5.356 inscritos |
Técnico Administrativo | 15 vagas | 6.797 inscritos |
Técnico Legislativo I | 10 vagas | 5.869 inscritos |
Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) |
Área de Guarda Municipal (2 cargos em concursos distintos, com 9.329 inscritos) | ||
Cargo | Vagas | Inscritos |
Guarda Marítimo e Ambiental | 50 vagas | 4.622 inscritos |
Guarda Municipal (em 2024) | 40 vagas | 4.707 inscritos |
Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) |
“A concorrência para os concursos municipais costumam ser menores do que para os certames estaduais e federais, o que para muitos candidatos é um fator de atratividade”, destaca Erico. A maioria dos cargos exige provas objetivas e podem ser complementados por outras etapas, como avaliações dissertativas, práticas, de títulos ou um teste de aptidão física, por exemplo.
Mesmo com a avaliação social positiva, para Gabriela, ainda existem pontos de melhoria no serviço público. A professora lista quatro:
Nas últimas décadas, os serviços públicos foram expandidos. Alguns, inclusive, universalizados, como os de educação e de saúde básica. Ainda assim, Gabriela reforça que com outros serviços, o acesso não foi ampliado nem para conseguir atender a demanda.
Segundo a especialista, o primeiro ponto de melhoria do serviço público precisa ser em relação ao acesso. À medida que sobe os níveis de atenção na saúde e educação e de outras políticas públicas, por exemplo, a oferta de serviços é falha.
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Além da melhoria do acesso, é importante aprimorar a qualidade do que é ofertado. Pode ser que a população esteja acessando o serviço e, não necessariamente, a sua qualidade é compatível com o que seria necessário, para que as pessoas se sintam acolhidas e consigam resolver problemas básicos.
De acordo com Gabriela, em termos de qualidade, essa é a parte onde o serviço público brasileiro precisa avançar mais. “É necessário conseguir atender a população rapidamente, aumentar os níveis de satisfação, efetividade e de resolução dos problemas. Para isso acontecer, precisamos avançar em vários elementos”, explica.
Para além da oferta, o perfil dos servidores públicos também precisa mudar. “No Brasil, ainda temos, na linha de frente dos serviços, muitas áreas precarizadas pela falta de pessoal ou pela falta de formação qualificada. Essas duas coisas são essenciais para melhorar acesso e qualidade”, afirma.
Para a melhoria dos serviços, outro ponto importante é a necessidade de modernização. Conseguir chegar nos territórios, ter uma melhor conexão com as pessoas que moram ali e entender os seus problemas.
“Isso tem a ver com digitalização. Já digitalizamos muito, mas ainda tem coisas que podem ser digitalizadas. No entanto, também precisamos tomar muito cuidado com a digitalização, porque ela pode ser uma fonte de exclusão”, defende.
Por fim, segundo Gabriela, independente de aumentar o acesso e a qualidade, um ponto muito falho no desenho dos serviços do Brasil é que eles não são pensados de maneira integrada. O Estado brasileiro é organizado de forma fragmentada.
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“A fragmentação leva o cidadão a ter múltiplas interações com o Estado. Isso é um problema para o Estado, já que a falta de integração de dados pode levar a ineficiência”, afirma. “Também é um problema para o cidadão que precisa circular e fazer as costuras e amarrações que não são feitas pelo próprio serviço público. Precisamos pensar na integração tanto entre setores quanto entre entes federativos”, conclui.